quarta-feira, 20 de maio de 2020




Série: “Fahrenheit 451: alguns livros que incendiaram a minha vida"

Episódio: “O Barão Trepador – Italo Calvino, 1957”

Excerto:
"Ombrosa já não existe. Olhando o céu sombrio, pergunto a mim mesmo se alguma vez terá existido. Aquela pujança de ramos e folhas, bifurcações, penugens sem fim e o céu somente entrevisto a espaços irregulares e em retalhos talvez fosse assim só de propósito para que sob ele vivesse o meu irmão, com o seu ligeiro passo de esquilo; era um bordado feito de nada, assemelhando-se a este fio de tinta que sai da minha pena e que deixei correr livremente por páginas e páginas, cheio de riscos, emendas, traços nervosos, manchas, lacunas, e que por momentos se estende em grossas bagas muito claras, outras vezes se recolhe em sinais minúsculos e tímidos, como pequenas sementes, que se dobra sobre si mesmo ou se bifurca, ou ainda descreve partes de frases com contornos de folhas ou de nuvens, e depois se encontra novamente, e novamente também volta a enredar-se, e corre, corre, e continua correndo, torna-se mais espesso, cresce num último cacho insensato de palavras, ideias, sonhos, e termina."

Sem comentários: