Série: “Fahrenheit
451: alguns livros que incendiaram a minha vida"
Episódio: “O Barão
Trepador – Italo Calvino, 1957”
Excerto:
"Ombrosa já não
existe. Olhando o céu sombrio, pergunto a mim mesmo se alguma vez terá
existido. Aquela pujança de ramos e folhas, bifurcações, penugens sem fim e o
céu somente entrevisto a espaços irregulares e em retalhos talvez fosse assim
só de propósito para que sob ele vivesse o meu irmão, com o seu ligeiro passo
de esquilo; era um bordado feito de nada, assemelhando-se a este fio de tinta
que sai da minha pena e que deixei correr livremente por páginas e páginas,
cheio de riscos, emendas, traços nervosos, manchas, lacunas, e que por momentos
se estende em grossas bagas muito claras, outras vezes se recolhe em sinais
minúsculos e tímidos, como pequenas sementes, que se dobra sobre si mesmo ou se
bifurca, ou ainda descreve partes de frases com contornos de folhas ou de
nuvens, e depois se encontra novamente, e novamente também volta a enredar-se,
e corre, corre, e continua correndo, torna-se mais espesso, cresce num último
cacho insensato de palavras, ideias, sonhos, e termina."
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