terça-feira, 17 de março de 2020




na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.

na minha terra, não há árvores nem flores.
as flores, tão escassas, dos jardins mudam ao mês,
e a câmara tem máquinas especialíssimas para desenraizar as árvores.

o cântico das aves – não há cânticos,
mas só canários de 3º andar e papagaios de 5º
e a música do vento é frio nos pardieiros.

na minha terra, porém, não há pardieiros,
que são todos na pérsia ou na china,
ou em países inefáveis.

a minha terra não é inefável.
a vida na minha terra é que é inefável.
inefável é o que não pode ser dito.


(jorge de sena – os paraísos artificiais, 1950)

3 comentários:

alexandra g. disse...

seguramente, um de entre os 5 poemas da minha vida

Filipa disse...

meu também.
beijinhos, Alexandra.
be safe and be well.

alexandra g. disse...

também tu, minha linda, e os teus :*