sexta-feira, 4 de outubro de 2013




ouve o que eu te digo,
vou contar-te um segredo,

é muito lucrativo que o mundo tenha medo,
medo da gripe,
são mais uns medicamentos,
vem outra estirpe reforçar os dividendos,
medo da crise e do crime como já vimos no filme,
medo de ti e de mim,
medo dos tempos,
medo que seja tarde,
medo que seja cedo e medo de assustar-me se me apontares o dedo,
medo de cães e de insectos,
medo da multidão,
medo do chão e do tecto,
medo da solidão,
medo de andar de carro,
medo do avião,
medo de ficar gordo velho e sem um tostão,
medo do olho da rua e do olhar do patrão e medo de morrer mais cedo do que a prestação,
medo de não ser homem e de não ser jovem,
medo dos que morrem e medo do não!
medo de deus e medo da polícia,
medo de não ir para o céu e medo da justiça,
medo do escuro, do novo e do desconhecido,
medo do caos e do povo e de ficar perdido,
sozinho,
sem guito e bem longe do ninho,
medo do vinho,
do grito e medo do vizinho,
medo do fumo,
do fogo,
da água do mar,
medo do fundo do poço,
do louco e do ar,
medo do medo,
medo do medicamento,
medo do raio,
do trovão e do tormento,
medo pelos meus e medo de acidentes,
medo de judeus, negros, árabes, chineses,
medo do “eu bem te disse”,
medo de dizer tolice,
medo da verdade, da cidade e do apocalipse,

o medo da bancarrota e o medo do abismo,
o medo de abrir a boca e do terrorismo.
medo da doença,
das agulhas e dos hospitais,
medo de abusar,
de ser chato e de pedir demais,
de não sermos normais,
de sermos poucos,
medo dos roubos dos outros e de sermos loucos,
medo da rotina e da responsabilidade,
medo de ficar para tia e medo da idade,
com isto compro mais cremes e ponho um alarme,
com isto passo mais cheques e adormeço tarde,
se não tomar a pastilha,
se não ligar à família,
se não tiver um gorila à porta de vigília,
compro uma arma,
agarro a mala,
fecho o condomínio,
olho por cima do ombro,
defendo o meu domínio,
protejo a propriedade que é privada e invade-me a vontade de por grade à volta da realidade, do país e da cidade,
do meu corpo e identidade,
da casa e da sociedade,
família e cara-metade…
eu tenho tanto medo…
nós temos tanto medo…
eu tenho tanto medo…

o medo paga a farmácia,
aceita a vigilância,

o medo paga à máfia pela segurança,
o medo teme de tudo por isso paga o seguro,
por isso constrói o muro e mantém a distância!
eles têm medo de que não tenhamos medo.



(capicua - medo do medo, 2012) 

Sem comentários: